Quando a fé se une à medicina

IMPACTOS NA SAÚDE

Quando a fé se une à medicina

Cada vez mais presente em consultórios e hospitais, a espiritualidade mostra impactos positivos na prevenção, no enfrentamento de doenças graves e no bem-estar de pacientes e profissionais de saúde

Quando a fé se une à medicina
Em grande parte das religiões, a espiritualidade é vista como a busca por um sentido. (Foto: BIBIANA FALEIRO)

Busca por significado e propósito de vida. É assim que a Organização Mundial da Saúde (OMS) define a espiritualidade. Não necessariamente ligado a uma crença religiosa, esse conceito é cada vez mais presente na medicina e são comprovados os impactos na prevenção e no bem-estar.

A espiritualidade também pode influenciar na forma como pacientes enfrentam diagnósticos graves, como o câncer. E essa compreensão tem ganhado espaço nos consultórios e hospitais.

Para a médica oncologista Lívia Gravina, embora ainda exista certa resistência por parte de muitos profissionais da saúde, não se pode mais separar o cuidado clínico da dimensão espiritual do paciente. “A espiritualidade tem impacto direto em desfechos clínicos. Há dados mostrando mudanças na forma como os pacientes lidam com sua própria saúde”.

A espiritualidade, segundo a médica, também é importante para os profissionais. “Não conseguimos cuidar de alguém se não estivermos bem. O manejo do estresse pelos médicos e a busca por equilíbrio tornam o atendimento humanizado”.

Impactos no tratamento

O médico cirurgião Helio Fernandes também entende que saúde vai além de manter o corpo em forma ou seguir uma alimentação equilibrada. Ela envolve um bem-estar mais profundo, que inclui o aspecto espiritual.

Helio Fernandes, médico cirurgião

“Saúde é tu chegar em casa no final do dia, colocar a cabeça no travesseiro e dormir em paz. E, no dia seguinte, seguir a mesma rotina. Para mim, isso é saúde, ter condições de ter esse bem-estar”, afirma.

Para o médico, não adianta ter um físico perfeito se o lado espiritual é negligenciado. Ele percebe a influência da espiritualidade na forma como as pessoas lidam com os desafios, e cita esse papel em pacientes que enfrentam doenças graves. “As pessoas que têm uma visão mais real da sua vida, essa espiritualidade, reagem muito melhor ao tratamento”.

Fernandes relata que pacientes com maior consciência de sua trajetória e da finitude da vida tendem a aceitar melhor a própria evolução da doença. O médico destaca que a espiritualidade também contribui para compreender a morte com mais serenidade.

O médico ressalta que a espiritualidade na saúde ainda é uma área que demanda estudos, e destaca o papel das universidades nesse campo. “Tanto a medicina quanto a enfermagem já trouxeram para seus cursos uma disciplina de espiritualidade, que busca formar profissionais mais humanos.”

Autoconhecimento

A saúde também está relacionada aos valores pessoais, ao estilo de vida e ao autoconhecimento, conforme destaca a psicóloga Laura Faleiro Kirchheim, que também coordena o programa Cada Jovem Conta, do Pacto Lajeado pela Paz. “A espiritualidade é importante nesse estilo de vida saudável, tanto nessa questão biológica, quanto de acreditar, de conseguir visualizar essa proteção como um todo”, afirma.

Laura Faleiro Kirchheim

No trabalho clínico, a profissional utiliza ferramentas como a roda da vida para ajudar pacientes a refletirem sobre diferentes áreas, com o objetivo de identificar desequilíbrios e buscar o bem-estar.

Laura destaca que a espiritualidade exerce um papel relevante também nas funções cerebrais e hormonais. “A espiritualidade, a religião, a fé, estão aqui para auxiliar e trazem um efeito muito positivo pra vida da pessoa”.

Ela observa que quando uma pessoa conhece seus próprios valores e compreende o que faz sentido para si, a a lidar com doenças e tratamentos de forma mais equilibrada.

Para a psicóloga, o adoecimento ainda pode funcionar como um chamado para o cuidado consigo mesmo e com a vida. E, quando essa percepção se conecta ao amor, por si mesmo, pelos outros, pela vida, o processo pode se tornar menos doloroso. “O amor é uma palavra muito forte quando a gente atrela a esse cuidado.”

Laura ainda ressalta que o campo da neurociência tem avançado na compreensão das conexões entre espiritualidade e saúde mental.

Sentido da vida

Babalorixá Alexandre de Ogum, do Candomblé Kétu, entende a espiritualidade como parte da dimensão humana, junto à ao físico e mental. “A espiritualidade é algo que nos dá fé, esperança, nos dá o sentido da vida, nos liga com a nossa ancestralidade, com a cultura, com a nossa história e com a nossa família”.

Segundo Alexandre, a fé também dá força para superar os desafios enfrentados no dia a dia. Ainda, afirma que ela auxilia no cuidado integral do ser humano, junto à medicina. “É algo muito precioso, que nós devemos cultivar, exercitar e praticar com bastante responsabilidade”.

Pelos guias espirituais

A espiritualidade é a principal condutora da vida de Pai Fabrício, do terreiro Templo Escola e Umbanda Jardim de Aruanda, de Lajeado. Ele explica que na umbanda sagrada, se trabalha o corpo físico, mental e espiritual, e a doença, na tradição religiosa, é considerada o desequilíbrio desses três fatores. Nessa perspectiva, a cura para uma enfermidade é trazer de volta esse equilíbrio.

“A gente entende que muitas das doenças iniciam no espírito, de acordo com uma condição de vida mais positiva ou negativa”. Pai Fabrício afirma que muitas pessoas encontram cura nas mensagens dos orixás, assim como, nas giras de umbanda, por meio dos guias espirituais, podem sentir alívio de suas dores.

“A umbanda contribui para o nosso equilíbrio energético, nosso equilíbrio físico, nosso acolhimento e aconselhamento espiritual através dos guias, é a conexão com algo que é maior”.

Equilíbrio e bem-estar

De origem indiana, o budismo trabalha a espiritualidade por meio da prática da meditação, do cultivo da sabedoria e da compaixão. De acordo com o monge budista Lama Pa Samten, a doutrina budista convida os praticantes a observarem a impermanência da vida e a compreenderem que todas as formas são transitórias. Essa percepção abre espaço para uma conexão mais profunda com aspectos internos do ser humano.

Segundo Lama Pa, sentimentos como amorosidade, compaixão e alegria são qualidades permanentes da filosofia budista. E cultivar essas emoções gera benefícios diretos à saúde mental, promovendo estabilidade emocional, resiliência e paz. Ele afirma que essa é uma prática de cuidado integral, que fortalece a mente e, com isso, repercute positivamente no corpo.

Crença e bondade

Pároco da paróquia São Pedro, de Encantado, e capelão da capela do Cristo Protetor, padre Genoir Pieta, afirma que espiritualidade é sinônimo de vida. Na Igreja Católica, ela se manifesta em comunhão com Deus, em diferentes momentos do dia a dia.

“É uma forma da gente viver como cidadão comum, porém, olhando para o céu, mantendo a visão do Evangelho”. Ele percebe, na prática comunitária ao longo dos anos, o benefício da fé na saúde. Segundo padre Genoir, ela auxilia na manutenção da saúde física e espiritual, além da recuperação das pessoas diante de uma enfermidade, por meio de práticas de oração e caridade.

Entender a finitude

“A espiritualidade é uma maneira do ser humano se comunicar com o divino, ou do divino se comunicar com o ser humano”, afirma o pastor da Comunidade Evangélica de Confissão Luterana de Lajeado, Henrique Luis Arnold.

Na tradição religiosa, segundo o pastor, essa fé é onde se encontra consolo, paz e esperança. Ele também percebe que a espiritualidade auxilia no entendimento da finitude da vida e torna a agem mais pacífica.

“Muitas pessoas, quando ficam conscientes de que estão ando por uma situação de saúde complexa, buscam na fé, na espiritualidade, uma maneira de também encontrar a cura”. Por outro lado, afirma que apesar da fé auxiliar nesse processo, assim como no tratamento de alguma doença, ela deve caminhar ao lado da medicina.

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